Enquanto António Costa passava de líder político e primeiro-ministro a comentador, tendo sido anunciado nesta semana como o novo rosto do Correio da Manhã, com uma página semanal no jornal, a partir de maio, e um programa na nova estação de informação do grupo Medialivre, o comentador (agora da SIC, ex-CNN e DN) Sebastião Bugalho era anunciado como cabeça-de-lista da AD às próximas Europeias de 9 de junho.

Das muitas críticas à transferência do último, é impossível não destacar as de Mariana Mortágua: "Há hoje comentadores que se tornam muito facilmente políticos (...) eu sou uma dirigente política, não pretendo tornar-me comentadora", afirmou a ex-comentadora (JN, SIC) e atual líder do Bloco de Esquerda, antes de enaltecer a escolha da ex-líder bloquista e atual comentadora semanal da SIC, Catarina Martins (que confronta a visão com Cecília Meireles, no Linhas Vermelhas, como Miguel Morgado enfrenta Miguel Prata Roque).

A verdade é que as águas do protagonismo partidário, mesmo em funções executivas, se misturam desde há muito com as do espaço de opinião mediática nos seus diferentes suportes -- basta recordar António Costa, que semanalmente nos entrava em casa pela Quadratura do Círculo (SIC), ao mesmo tempo que liderava os destinos da maior autarquia do país (2008-2014), deixando o programa apenas quando se tornou secretário-geral do PS. Deixaria então a câmara de Lisboa a Fernando Medina, que assumiria também um espaço semanal de comentário televisivo na TVI até se tornar ministro das Finanças.

O próprio Pedro Nuno Santos, após demitir-se do governo na sequência de uma série de casos -- do anúncio-relâmpago do novo aeroporto de Lisboa, prontamente revogado pelo líder do Executivo, à indemnização de meio milhão de euros para a administradora da TAP puxada ao governo socialista --, estreou-se em horário nobre todas as segundas-feiras na SIC Notícias, num espaço de "análise e opinião da atualidade política" que passava, no dia seguinte a podcast. Não duraria, porém, mais de seis episódios, uma vez que, ao contrário do que jurara no primeiro, acabou mesmo candidato a secretário-geral do PS e saiu vencedor, pondo fim à colaboração regular a meio de novembro.

Numa análise não exaustiva, há que ver porém que o espaço de comentário reservado a líderes políticos não é exclusivo da esquerda. Para tomar apenas os atuais dirigentes partidários com assento parlamentar, salta naturalmente à vista André Ventura, ainda que o presidente do Chega se celebrizasse como comentador desportivo em representação do Benfica. De 2014 a 2020, Ventura era presença regular nos estúdios da então Cofina (agora Media Livre), tendo saído da CMTV já oito meses decorridos sobre a sua eleição como deputado único do Chega (que nas legislativas do mês passado chegou aos 50 deputados).

Mesmo quando os meios não são de alcance global, o espaço é valorizado -- Nuno Melo, líder centrista, por exemplo, enquanto eurodeputado mantinha uma colaboração semanal com a Rádio Campanário. E ainda que a bitola não seja a mesma, o valor das redes sociais também pode cumprir esse papel: o atual dirigente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, tornou-se figura de proa depois de a sua página de Twitter se tornar célebre pela crítica política a que ali dava vida com grande sentido de humor.

A verdade é que, da esquerda à direita, quase todos os atuais líderes partidários passaram por espaços de comentário político regulares. Nem Rui Tavares, que lidera o Livre, falha: foi durante anos opinador no Público e comentador n'O Outro Lado, da RTP3, ao lado de Pedro Adão e Silva (ex-ministro da Cultura) e José Eduardo Martins.

Exceções entre as atuais lideranças partidárias com assento na Assembleia da República, são apenas três: Luís Montenegro (PSD), Paulo Raimundo (PCP) e Inês Sousa Real (PAN) não se contam entre os habituées do comentário político -- em que ninguém marcou tantos pontos quanto o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que se juntou aos jantares de domingo primeiro na TVI (2000-2004), depois na RTP (2005-2010) e de novo na TVI até se candidatar às Presidenciais (2010-2015).