A destruição dos edifícios é a face mais visível das consequências das explosões no porto de Beirute, que aconteceram a 4 de agosto. “Na linha reta de 20 a 25 quilómetros a partir da explosão está muita coisa destruída. Há zonas em que não se percebe se eram casas ou escritórios”, conta ao SAPO Andreia Castro.

A médica está desde sábado, dia 8, a atuar como voluntária em hospitais e tendas de apoio na cidade. Decidiu ir depois de ter visto as imagens da explosão, no dia seguinte à tragédia, quando estava de folga. Não conseguiu ficar parada. Tentou a viagem através de organizações humanitárias, como Médicos Sem Fronteiras ou Cruz Vermelha, mas como não tem experiência nessa área, não conseguiu. Resolveu ir por conta própria – com 1500 dólares no bolso e uma caixa de materiais hospitalares doados pelo Hospital da Luz.

Destruição em Beirute
Destruição em Beirute créditos: AFP

Desde então, Andreia partilha o seu dia-a-dia através do Instagram - onde também partilha as suas viagens pelo mundo. Deixou disponível o IBAN para doações. “Criou-se uma rede enorme”, salienta. Até ao momento, conseguiu 7 mil euros. O próximo passo é tentar levantar o dinheiro e aplicá-lo da melhor forma, o que não se avizinha tarefa fácil. “Não há dólares suficientes nos bancos da cidade e o dinheiro está a desvalorizar todos os dias”.

Ao mesmo tempo, procura ajudar os feridos da explosão, muitos não receberam o devido tratamento no dia em que Beirute estremeceu. Além disso, uma nova vaga de feridos está a chegar por causa das manifestações e conflitos entre população e forças governamentais, que têm ocorrido na cidade.

“No dia da explosão os hospitais da cidade atenderam em média 400 pessoas naquela noite, além de não terem conseguido dar assistência médica a toda a gente, todo o material esgotou-se a nível de Urgências”, explica Andreia, que teve a hipótese de conhecer quatro hospitais da cidade, todos a precisar de materiais.

Numa altura de pandemia, a situação ainda ficou mais complicada. As máscaras, por exemplo, estão muito caras. “Gastei cerca de 500 dólares a comprar máscaras”, diz. E as equipas médicas estão “muito cansadas”.

Até este sábado, quando regressa a Portugal, a médica está a atuar na tenda da ONG Inara. Andreia, que é especializada em medicina geral e familiar, acabou por ficar com esta organização, uma vez que presta cuidados mais avançados, como suturas de feridas.

A ação governamental tem sido pouco ou quase nula. São as pessoas que têm criado as maiores redes de apoio, como distribuição de comida, e demonstrado força de vontade para reerguer a cidade. “A humanidade e a união destas pessoas é incrível”. “Muitas andam de vassouras nas mãos, a limpar as ruas, até as crianças”, observa.

Voluntários em Beirute
Voluntários distribuem comida no bairro de Karantina créditos: AFP
Voluntários em Beirute
Voluntárias libanesas no bairro de Gemmayzeh créditos: AFP

Após uma semana a atuar no terreno, a médica reconhece que os próximos tempos vão ser complicados na cidade e no país, sublinhando que é necessário uma “ação concertada, quer seja a nível nacional ou internacional”. “Independentemente daquilo que o governo está a dizer, se eles não tiverem ajuda urgente, isso aqui vai ficar muito difícil”.

“Quando voltar para Portugal, o que vou fazer é pedir donativos de instituições, entre hospitais e indústria farmacêutica, e tentar arranjar uma forma de vir cá trazer. Nem que venha eu para ter a certeza de que as coisas são entregues”, conclui.

Situação atual no Líbano

A explosão de 2.750 toneladas de nitrato de amónio armazenadas há seis anos no porto de Beirute arrasou vários bairros da capital e provocou 171 mortes e mais de 6.000 feridos, deixando ainda mais de 300.000 pessoas sem casa e várias dezenas de desaparecidos. Os estragos ultrapassam os 12,7 mil milhões de euros.

O Parlamento libanês aprovou ontem a declaração do estado de emergência em Beirute na primeira sessão após as explosões, o que concede poderes alargados às forças armadas num momento de contestação popular e incerteza política.

Explosões em Beirute
Uma manifestante libanesa olha para o local da explosão créditos: AFP

O governo libanês está demissionário desde a passada segunda-feira, mas as manifestações de protesto exigem igualmente o afastamento do Presidente Michel Aoun, do presidente do Parlamento, Nabih Berri, e de todos os deputados e dirigentes partidários acusados de corrupção e incompetência.

A tragédia de 4 de agosto relançou o movimento de contestação que começou no outono de 2019. Nos últimos dias têm-se registado confrontos frente ao edifício do Parlamento, em Beirute, entre manifestantes e a polícia de choque.

Um voo humanitário da União Europeia aterrou esta quinta-feira em Beirute, transportando mais 17 toneladas de material, incluindo medicamentos e equipamento médico, destinado às vítimas das explosões.

O avião transportou material adquirido pela UNICEF e a organização Médicos do Mundo. Esta ajuda humanitária vem juntar-se à resposta de emergência da UE na sequência das explosões, que colocaram mais pressão sobre o sistema de saúde libanês, já saturado pela pandemia da COVID-19.

*Com Agência Lusa